terça-feira, outubro 20, 2009

A MÚSICA QUE TOCA

"Sensibilidade com a música faz parte do estado de espírito de cada indivíduo"

por Cleber Silva


Há tempos reúno lembranças musicais de minha infância e outras referências atuais que me tocam e despertam a minha sensibilidade no que diz respeito à música e minhas influências, gostos e afins. São músicas que arrepiam e me fazem esquecer de momentos difíceis que fazem a vida ter sentido, além de dar continuidade à mesma.

Você, leitor, deve ter pensado, a partir do título, que vinha um texto sobre técnica ou difusão musical a partir dos veículos de comunicação ou internet. Realmente, as formas de distribuição de música ganharam outras ferramentas com o advento da internet e as redes sociais. Segundo André Stangl, Filósofo e Mestre em Cibercultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), a indústria musical perdeu o poder de intermediação e já não é uma barreira de frustração entre o músico e o consumidor: “Ninguém precisa de gravadora para compartilhar o sentimento musical.”

Concordo com Stangl, mas também observo o ponto de vista de quem vive de sua música, principalmente aqueles que conseguem sobreviver mesmo estando à margem de uma indústria que ainda suga o que pode de um mercado falido e administrado por espertalhões que “não largam o osso”, mesmo vendo que a carniça fede muito. Mas, eles são os abutres...

Como o texto não propõe reflexão alguma sobre a difusão musical de forma técnica, me deixe quieto, vuh? Eu vou falar é da música que me toca [lá ele]...

Ainda pivete, muita música ocupava minha casa. Era música de todos os estilos possíveis: de lambada à heavy metal, passando pelo break, reggae e regionalismos. As minhas recordações dessa época infantil começam com Cindy Lauper cantando “Girls Just Wanna Have Fun”. Depois essa mesma música fez parte da trilha sonora de um filme que também marca minha infância: “Os Goonies”. Ainda guri, com muita música em casa, trilhas de novelas e filmes [tudo isso no vinil e no K7], curti muito o Balão Mágico, com “Superfantástico”.

A minha infância foi recheada de música interessante, o que posso dizer que é bem melhor do que a de muito guri por aí que dança com a calcinha enfiado no cu.

Ainda nessa feliz infância [e eu não sabia], eu conheci o Led Zeppellin no disco da novela Top Model, de 1989. Era “Starway to Heaven” e a partir daí o Rock and Roll entrou em minha vida “de com força”. Eu tinha um amigo chamado Marcelo que me apresentou Iron Maiden, Metallica, Black Sabbath, entre outros e a minha lembrança mais musical desse momento era meu pai dizendo que Marcelo era maluco. Ali eu já via o preconceito que eu sofreria com o passar do tempo.

Longe do Rock and Roll [tudo bem, nem tão longe assim], a Tropicália que existia em casa já tinha me mostrado os Novos Baianos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mutantes, mas eu me encantava com o folk de Tracy Chapman. Eu sabia embromar todas as músicas do disco dela. “Baby Can I Hold You”, “Fast Car”, entre outras, foram ouvidas repetidas vezes. Tinha Jimmy Cliff, com “Peace” e Alpha Blondy, com “Apartheid is Nazism”. Também ouvi Cazuza, em “O Tempo Não Pára”, “Codinome Beija-Flor” e “Ideologia”.

Nessa época, os Paralamas do Sucesso já estavam presentes lá em casa e “Melô do Marinheiro” era a minha predileta.

A partir de agora as minhas lembranças não são cronológicas, mas expressam uma coletânea de ritmos que me tocam [lá ele de novo], me emocionam, me arrepiam...

Edson Gomes e Bob Marley são os meus verdadeiros reis do Reggae. Talvez sejam os mesmos para uma pá de gente espalhada por aí. “Samarina”, “Sistema Vampiro”, “Criminalidade”, “Buffalo Soldier”, “No Woman No Cry”, “Redemption Song”, são algumas das músicas desses ícones que marcam muito em minha vida e você, leitor, vai continuar se perguntando quem sou eu para falar das minhas experiências musicais, mas vai ler até o final, pois terá alguma coisa em comum comigo, num claro sinal do “tocar” da música.

Eu já citei os Novos Baianos no texto e acredito que o disco “Acabou Chorare” seja o clássico, pelo menos para mim. “O Mistério do Planeta” é linda; “Swing de Campo Grande”, “A Menina Dança”, “Tinindo Trincando” e “Brasil Pandeiro” são outras que me fazem parar e ouvir música.

Já “Zanzibar”, interpretada por A Cor do Som me faz viajar pelo suingue, pelos arranjos e pela simplicidade.

Quando eu descobri que havia um disco de Carlinhos Brown que estava num livro que lista um bocado de disco que nós temos que ouvir antes de morrer, fui buscar o álbum e descobri “Tour”, que me recordou coisas boas, mas que o preconceito tinha deixado de lado. Eu sabia que já tinha ouvido essa pérola, mas tinha expurgado o sentimento, perdendo uma boa música que só pude recuperar quando a mente esteve mais aberta.

Volto agora aos tempos de pivete em São Cristóvão, bairro da periferia de Salvador. Eu sempre viajava para o interior de Sergipe [Neópolis – terra de bons jogadores de futebol: Dinho e Narciso... Soares, meu primo, chegou a jogar no Confiança] e o toca-fitas tinha Bezerra da Silva e Noite Ilustrada como trilha sonora da viagem. “Jurei não amar ninguém, mas você veio chegando e eu fui chegando também/Daí seu olhar no meu olhar e depois sua mão em minha mão na toalha de mesa de um bar”, nunca saiu de minha mente, assim como “Ê, meu irmão, se liga no que eu vou lhe dizer/Hoje ele pede seu voto/amanhã manda a polícia te prender”.

Continuo guri... Todas as manhãs eu acordava bem cedo e já era obcecado por noticiários [tudo bem, hoje a relevância caiu]. A Rádio Sociedade da Bahia tinha um programa [ainda tem] cuja trilha sonora de background era “Soul Sacrifice”, de Carlos Santana. Véi, essa me arrepia e eu só fui descobrir o nome ouvindo um Ao Vivo dos Paralamas do Sucesso.

Caramba, sei que vou precisar criar outro texto deste, pois sensibilidade com a música faz parte do estado de espírito de cada indivíduo. Vou tentar continuar com mais algumas e a influência do rádio na minha vida.

“Bigmouth Strikes Again”, do The Smiths; “Friday I’m in Love”, do The Cure; “Rock The Casbah”, do The Clash e “Alegria da Cidade”, de Lazzo Matumbi me remetem a uma dança desconexa, mas como um ritual de libertação das amarras cotidianas e de tudo que é coisa ruim que possam colocar no meu caminho.

No palco, quando estou tocando meu baixo com a Ignivomus e quando tocava com a Quatro Tempos, algumas músicas me faziam ter prazer em ser músico. “Slave New World”, do Sepultura é uma delas. “Terra Seca”, que ajudei a arranjar, é excepcional, pelo menos para mim e faz parte do repertório da Ignivomus. Densa, crítica e poética, retrata a condição do sertanejo em busca de soluções que as más vontades e interesses na miséria não deixam resolver.

Quando eu tocava na Quatro Tempos, juntos com os companheiros André Mixarol e Gabriel Rocha, fizemos uma versão em português para “Come Together”, do The Beatles. A música se chamava “Algo Cheira Mal” e dou um doce para quem adivinhar de quem a música falava.

Eu já vi que esse texto terá outros capítulos e já adianto que virão coisas da música pesada que me atraem... e muito!

Finalizo esse com um simples trato sobre o rádio na minha vida. Desde pequeno, a TV era coisa restrita. Minha mãe não me deixava assistir aos programas que não fossem infantis, apesar de eu lembrar de um bocado de novelas “da minha época”. O rádio, sim, era um companheiro e até hoje a minha mãe acorda e a primeira coisa que faz é ligar o rádio. Genildo Lawinsky e Raimundo Varela são as minhas primeiras lembranças na Rádio Sociedade. Alguns outros da época em que a Axé Music nascia e o merengue, o fricote e a música latina eram mais presentes, assim como o Pop e o rock brasileiros, estão na minha memória como os radialistas que fizeram ecoar suas vozes: Josenel Barreto e Urias Nery. O primeiro tinha uma vinheta que só quem não viveu em Salvador, entre os anos 80 e 90, não lembrará. Depois virou vereador e eu não sei se ele sumiu porque eu parei de ouvir rádio com a freqüência que ouvia antes ou se ele decidiu parar com a carreira.

Ultimamente tenho ouvido muito o Devotos, que já conhecia há tempos, mas redescobri com o cd de 20 anos, gravado no Alto José do Pinho, “Subúrbio de Recife, zona norte, urubu”. É impressionante como uma banda considerada punk consegue elevar o nome de uma comunidade carente entregue à violência e não tem o mesmo apelo popular que a música baiana tem. Como o mesmo Cannibal, baixista e vocalista, falou uma vez, o poder de manipulação da massa por parte de uma grande camada do mainstream é utilizado única e exclusivamente para retornos financeiros.

Eu vejo surgir inúmeras bandas de pagode em Salvador e a maioria delas surgidas entre as mazelas, o esgoto a céu aberto, construções amontoadas, criminalidade... Será que o discurso delas precisa ser tão frenético e afrodisíaco? A MPB [Música da Putaria Baiana] não ajuda ninguém. As bandas surgem e ressurgem como formigas brotam do chão e nada de relevante pode ser aproveitado.

Aguardem letras do próximo capítulo sobre a música que toca. Isto é, se você leu mesmo!

Já ia esquecendo que uma música que não falta na minha vida é o Hino do Esporte Clube Vitória. Na verdade, os hinos. Os dois, para mim, são clássicos, assim como as músicas criadas por Chocolate da Bahia, em 1993 e as novas que compositores do anonimato sempre levam pro estádio e levantam a torcida em uníssono pelo nosso clube.

* “Lá ele” é uma expressão muito falada pelos baianos que significa “Em mim, não”;
* Pivete e guri são sinônimos nesse texto;
* “De com força” é uma expressão baiana e no texto significa “pra valer”;
* “Bocado”, no texto, quer dizer “muito”.

7 comentários:

Sandra De Cassia disse...

Gosteiiiii camarada Clebernalta!!


abços

Anônimo disse...

Li até o fim, ufaaaa!!!!

Gosto de Tracy Chapman mas amo REM e The Cure

Um abraço de sua leitora sulista abestada...rsrs

Cleber disse...

Faça contato que conversaremos mais.

Cleber.

Anônimo disse...

Estou em contato!

"sou o fermento que vai mexer na sua massa". (unamuno)

Saudações corintiana!

Um abraço da sua leitora sulista abestada

CLEBER SILVA disse...

Esteja em contato além do codinome "sulista abestada". Imagino que nem se sinta assim. A carapuça não serviria em alguém que gosta de ler esse "brog". Nem por provocação.

Sempre quis ler Miguel Unamuno e acho que nunca tive tempo para me debruçar sobre suas linhas, mas você re-despertou essa vontade. Voltarei a ter essa vontade.

Ah, desculpa, mas as saudações corintianas devem ser guardadas para, quem sabe, mais cem anos... hehehehehehe... Unca torci tanto para o Fluminense ou Cruzeiro... hehehehehe...

Bom, sabes meu e-mail. Entre em contato via e-mail, ou então podes mandar uma carta (gostaria de receber cartas de próprio punho). Se quiser, deixo meu endereço.

Ah, não se acostume a ler meus devaneios, não. Sempre deixo um hiato nesse "brog". Na verdade, agora tenho certeza que alguém tem lido... hehehehehe...

Anônimo disse...

Adorei a ideia de trocar carta! Tenho provocado vc até com o Unamuno, pra ver se dá mais atenção ao seu blog.

Achei interessante a sua opinião sobre os "abestados". Só é paulistano quem nasce na capital, os demais do interior que são os paulistas caipiras..rsrs .

Aprendi com vc, essa história da favela que relatas, eu desconhecia.

Depois do feriadão, estarei de volta. Quanto ao Corinthians, ele por si só se explica...rsrs Aqui tem um bando de loucos por ele.Já te disse, sou tranquila! Um abraço!

CLEBER SILVA disse...

Hehehehehe...

Sabia que hoje, 08/10, é dia do nordestino????

Bom feriado. Para mim, isso "non ecziste"...