segunda-feira, outubro 29, 2007

DISSIMULAÇÃO GLOBAL


Interpretando a violência de acordo com a repressão, a agenda midiática tratou de pautar as conversas cotidianas com um assunto que já causa polêmica sem precisar figurar nas páginas policiais de algum jornalão ou ser defecado pela boca de algum nefasto apresentador de programa imbecil de entretenimento.

Existem teorias do jornalismo que explicam o agendamento midiático e sua influência na construção da opinião pública. Essa opinião pública é a opinião majoritária de um grupo representativo da sociedade, portanto, as teorias servem para explicar o que conversamos diariamente, seja numa mesa de bar ou até mesmo dentro de um ônibus. Desta forma, conversar sobre o milésimo gol do Romário, os escândalos sobre corrupção em Brasília, a sucessão municipal e a violência no país é legitimar as hipóteses levantadas pelos teóricos.

Cheguemos ao cerne da questão. Há dias a imprensa brasileira nos empurra a violência como uma simples questão atual. Seus precedentes e os diversos motivos que, aliados, insuflam e dão prosseguimentos aos atos violentos são postos como agentes secundários, como se a violência, por si só, pudesse ser explicada para o público como única, inerente a classes sociais desfavorecidas e irreversível se não forem tomadas atitudes drásticas. Vide o Luciano Huck lamentando o fato de não ter o Capitão Nascimento (interpretado, muito bem, por sinal, pelo ator baiano Wagner Moura, em Tropa de Elite) por perto quando o seu rolex foi roubado.

Interpretando a violência de acordo com a repressão, a agenda midiática tratou de pautar as conversas cotidianas com um assunto que já causa polêmica sem precisar figurar nas páginas policiais de algum jornalão ou ser defecado pela boca de algum nefasto apresentador de programa imbecil de entretenimento: o Movimento Punk. Não quero entrar na história nem no mérito de seus ideais pois eu já os conheço muito bem e não quero me alongar para não tornar chata a leitura.

O verdadeiro movimento Punk está sendo alvo de uma orquestração midiática moralista. Folha de São Paulo, Domingo Espetacular (Record), Fantástico (Rede Globo) e Veja são exemplos táteis dessa orquestração das tarântulas da mídia atual. As matérias, em quase todos os veículos, generalizaram os fatos e classificaram os punks como violentos e sanguinários, além de outros adjetivos incabíveis sob o olhar de quem conhece e admira o movimento como uma ação coletiva. “Armados de coturnos, facas e ódio”, disse o Pedro Bial com voz lânguida e olhar triste e preocupado; “Eles têm ódio de quê?”, perguntou a matéria da Veja; a vinheta da reportagem na Record foi simbolizando o punk e a violência, unindo os dois com estreitos laços.

Realmente não é de se estranhar que certas facções “noticialistas” - se me permitem o neologismo – e extremamente moralistas entrem em conflito com aqueles que querem fazer de seu país um lugar melhor para se viver em comunidade. É muito fácil depreciar a imagem de um movimento popular, principalmente quando o alvo desse movimento é o topete capitalista. A partir disso, a construção da opinião pública é dada pela premissa violenta que estereotipa um movimento popular de luta real.

A Folha de São Paulo, por exemplo, pelo que pude constatar, publicou, no mínimo, uma nota por dia sobre os “ataques punks” após a prisão de três jovens acusados de assassinar o balconista Jaílton de Souza Pacheco no Terminal Parque Dom Pedro II, no centro de São Paulo, e que vestiam roupas de temática punk.

Na reportagem da Record, talvez a mais digerível, foram ouvidos um antropólogo e Clemente, vocalista e guitarrista das bandas Inocentes e Plebe Rude. Na reportagem da Globo, palavras defecadas. Não quiseram mostrar o que realmente prega o movimento Punk e, sim, defenestrar o movimento e suas ideologias, subvertendo os fatos e tornando todos os participantes comparsas de criminosos que depreciam a imagem do punk. Assim o fez a matéria da Veja São Paulo, dizendo que “na cabeça de uns, espalhafatosos moicanos azuis, verdes ou vermelhos espetados com gel. Na de outros, só o brilho da careca. Dentro delas, nenhum estofo intelectual para serem representantes, como costumam pregar, de qualquer corrente ideológica que seja, mas imbecilidade suficiente para sair por aí depredando, batendo e até matando”. Assim também fizeram com Che, tornando relevantes aspectos higiênicos do revolucionário. E só.

A reportagem da Globo ainda entrevistou uma banda punk que, ao meu ver, poderia ter ficado calada e passado a voz para quem pode falar muito mais sobre o assunto. Mas será que quem sabe mais vai falar justamente à Globo?

Casa das Pombas – Se a imprensa brasileira tivesse o verdadeiro compromisso com suas lealdades, não deixaria passar tal fato que põe em questão ações anticapitalistas com críticas fortes às corporações e à especulação imobiliária. O Centro Cultural Casa das Pombas, em Brasília, funcionava como espaço comunitário de convivência entre indivíduos e grupos autônomos de Brasília. Com aproximadamente um mês de funcionamento, ações policiais detiveram cerca de 15 ativistas, homens e mulheres, entre eles, estrangeiros. O prédio onde funcionava a Casa das Pombas, segundo o Centro de Mídia Independente, pertencia ao Banerj, recentemente comprado pelo grupo Itaú, e estava abandonado há mais de doze anos, com dívidas acumuladas de impostos não pagos.

Na madrugada do último dia 11, durante a segunda operação policial, os(as) ativistas foram presos sob a acusação de formação de quadrilha, pelo delegado Damião Lemos e encaminhados às penitenciárias locais.

Esse tipo de informação não figura na mídia do capital nem é pauta das conversas entre amigos, nos ônibus, etc. A opinião pública não pode saber dessas “verdades verdadeiras”.

Delinqüência – Enquanto isso, somos obrigados a ver/ouvir notícias de “jovens de classe média/alta que agridem empregada doméstica”. Eles são tratados como jovens, estudantes, dependentes químicos, descontrolados, etc. mas nunca como delinqüentes. É a mídia dando sua contribuição para a moralização deste país que em nada pode ser visto como hipócrita.

Para saber mais sobre este e outros tantos assuntos acesse:

http://www.midiaindependente.org/ - mostrando ao Ali Kamel, diretor de jornalismo da “Grobo”, que mídia independente não precisa dos inúmeros anunciantes dos quais tivera a audácia de citar como senhores da liberdade da mídia. Até pode ser, senhores detentores da liberdade da mídia: liberdade para quem anuncia.

Este texto é para você, Sandra de Cássia, vocalista da Ulo Selvagem, banda baiana que completou em setembro 20 anos de estrada lavando sua conscientização pelo Brasil, estendendo até à Argentina. É para você, Sandra, que me ligou indignada com a reportagem da Rede Globo e confessou não ter dormido bem depois de ver a dissimulação global. Este texto é para você, Clemente, que toca numa das melhores bandas do Brasil, a Plebe Rude, e deu declarações satisfatórias ao movimento.
Nota: Sou libertário, independente de apoiar o punk, o anarquismo, o romantismo, Hugo Chávez, Che Guevara, Cuba e MST. Sou do Rock, independente de dirigir a comunicação do Clube do Rock da Bahia.

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